segunda-feira, janeiro 22, 2007

Aubrey Beardsley

Com um traço fino Aubrey Beardsley cria um espaço de grande elegância, onde predominam as mulheres dominadoras. O homem submisso espera ajoelhado o estalar do chicote. Não se vê o rosto mas adivinha-se o prazer…

Esta ilustração de 1895 foi feita por Aubrey Beardsley para a capa de um livro de John Davidson, intitulado “A Full and True Account of the Wonderful Mission of Earl Lavender”. Podem ver outras obras deste ilustrador aqui.

Etiquetas: ,

quinta-feira, janeiro 11, 2007

O que é que quer?

Ela parou e olhou para mim. Foi como se tivesse tirado uma espécie de capa da frente do rosto, da frente dos olhos. Eram os olhos: entre o estúpido e o esperançoso e lugubremente desejosos de uma decepção, tudo ao mesmo tempo. Mas via-se que tinha algum problema. Qual é o seu problema? – disse eu. – Diga-me o que quer. Estou muito ocupado. – Não que eu quisesse apressá-la, mas um homem não tem a vida delas.

- É aquele problema das mulheres – disse ela.

- Ah – disse eu. – Só isso? – Pensei que talvez fosse mais nova do que parecia e a primeira vez que lhe apareceu a tivesse assustado, ou que fosse irregular como costuma acontecer com as raparigas muito novas. – Onde está a tua mãe? Disse eu. Não tem mãe?

- Está acolá na carroça – disse ela.

- Por que não fala com ela antes de tomar remédios? – disse eu. – Qualquer mulher lhe explicaria tudo. – Ela olhou para mim e eu olhei para ela e disse: - Quantos anos tem?

- Dezassete – disse ela.

- Ah – disse eu. Pensei que talvez fosse… – Ela observava-me. Mas, também, pelos olhos todas elas parecem que não têm idade, mas sabem tudo. – És regular de mais ou de menos?

Ela deixou de olhar para mim, mas não se mexeu. – Sim – disse ela. Acho que sim.

- Bem, qual das duas coisas? – disse eu. Não sabe? – É um crime e uma vergonha; mas ao fim e ao cabo depois vão comprá-lo a outro lado. E ela ali parada, sem olhar para mim. – Queres alguma coisa que faça isso parar? – disse eu. – É isso?

- Não – disse ela. – É que… já parou.

- Bem, o que… – A cara dela estava ligeiramente virada para baixo, imóvel, como elas sempre fazem quando falam com um homem para ele não saber o que virá a seguir. – Não é casada, pois não? – disse eu.

- Não.

- Ah – disse eu. E há quanto tempo parou? Cinco meses talvez?

- Só estou de dois – diz ela.

- Bem, aqui na loja não tenho nada do que quer comprar – disse eu – a não ser que queira uma tetina. E o meu conselho é que compre uma, volte para casa e conte ao seu pai, se o tiver, e deixe ele obrigue alguém a comprar-lhe uma licença de casamento. Era só isso que queria?

Mas ela continuava a ali parada a olhar para mim.

- Tenho dinheiro para lhe pagar – disse ela.

- É seu ou ele foi homem que chegasse para lho dar?

- Foi ele que mo deu. Dez dólares. Disse que chegava.

- Na minha farmácia nem mil dólares nem dez cêntimos chegariam – disse eu. Siga o meu conselho, volte para casa e conte ao seu pai ou aos seus irmãos se os tiver ou ao primeiro homem que encontrar na estrada.

Mas ela não se mexeu. O Lafe disse que eu podia comprá-lo na farmácia. Ele disse-me para eu lhe dizer que eu e ele nunca íamos dizer a ninguém que o senhor nos tinha vendido aquilo.

- E eu só queria que esse seu adorado Lafe tivesse vindo ele próprio comprá-lo; isso é que eu queria. Não sei, nessa altura teria um pouco de respeito por ele. E você pode voltar pelo mesmo caminho e contar-lhe o que eu disse… se a estas horas ele não estiver já a caminho do Texas, o que eu não duvido nada. Eu, um farmacêutico respeitável, com uma porta aberta, pai de família e bom cristão, há cinquenta e seis anos nesta cidade. O que me apetece é ir eu próprio contar aos seus pais, se conseguir descobrir quem são.

(in Na minha morte de William Faulkner, Publicações Dom Quixote, 2004: p. 160-162)

Este excerto ilustra a pressão a que uma mulher é submetida quando necessita de recorrer ao aborto. Estão bem patentes o desprezo a que ficam sujeitas e a profunda humilhação de verem a sua vida privada devassada. Actualmente a censura não será tão forte como surge aqui, mas isso deve-se à luta que foi travada em prol do direito destas poderem decidir livremente. É inacreditável como ainda em 2006 houve mulheres que foram a julgadas em Portugal por terem realizado um aborto!

Os defensores do “Sim” pretendem precisamente evitar que isso possa voltar a acontecer. Querem uma lei que dê à mulher a possibilidade de escolher de acordo com a sua consciência. E que, seja qual for a sua decisão, esta não possa ser censurada. Quem vota “Não” pode argumentar com a vida do feto (curiosamente alguns são apoiantes da pena de morte!) mas, o que verdadeiramente está em causa, é o fim da condenação social por este acto. No mundo ideal não haveria abortos, no mundo real escolhe-se a opção com menos danos para o futuro. Entre um aborto clandestino e uma criança indesejada é preferível proporcionar às mulheres a possibilidade de realizarem uma interrupção voluntária da gravidez nas melhores condições. Os apoiantes no “Não” esquecem-se que a mulher que precisar de abortar o fará sempre, independentemente das condições que tiver à sua disposição.

O referendo é daqui a um mês. Eu, obviamente, vou votar SIM.

Etiquetas: , ,